terça-feira, 12 de setembro de 2006

Cume do pós-modernismo-niilista

the world is an illusion created by your mind to keep you from going insane..

quarta-feira, 21 de junho de 2006

Recomeço

Recomeço a "postar" no blog com dois textos e duas fotos:

Jovem emenita, num trabalho de Nusa Poglajen e amigos numa visita feita aquele país em 2005


Vista parcial da "zona ribeirinha" de Freixo de Espada à Cinta
Eu e o Gregor Poglajen , Douro Internacional, Abril 2006






Dois pequenos ensaios na esteira das aulas de antroplogia no iscsp da mestre Elsa Peralta (da qual copio o mote "ficções contemporâneas") e de algumas fontes da área. A palavra cultura e seu significado nos dias de hoje e a palavra etnia e breves considerações sobre esta numa perspectiva histórica. Ambos de Abril de 2006.



Cultura e etnia, ficções contemporâneas

Diz-se que pessoas de proveniências diferentes, em especial distantes, são de culturas diferentes. Se na fisionomia ou noutros aspectos são distinguíveis, serão de etnias diferentes. Mas que conteúdos afinal têm estes conceitos?

Estas questões são o “inferno” dos estudiosos das ciências sociais e em particular da sociologia e da antropologia cultural. São no em especial pela incontornável cadeia de acontecimentos que levaram a ciclos de “fé” e de dúvida. Actualmente nas ditas ciências sociais, pode dizer-se, estamos no ciclo das dúvidas e “reconfigurações paradigmáticas”.

A razão para tal, contudo, é simples. Os tempos mudam. Etnias, culturas, religiões ou fronteiras multi-seculares desaparecem e mostram que afinal não passam de invenções socialmente construidas à mercê da mudança inerente ao passar do tempo. São, portanto, mais “imagem” que conteúdo..

1. Sobre a Cultura

A palavra cultura tem duas “origens” etimologicamente distintas na história que ainda hoje complexificam o seu significado. Do latim cultura é o acto de cultivar a terra. Já no século XIX surge a discussão franco-prussiana (também iluminismo versus romantismo) sobre o carácter universal ou nacional de cultura já num sentido do conhecimento, características dos padrões de comportamento, das crenças e de outros aspectos da vida em sociedade.

A retórica do período nacionalista, dos séculos dezanove e vinte, construiu sentidos de nacionalidade na linha da acepção particularista de cultura pela activação de memórias históricas quase sempre ficcionadas ou exageradas. Acima de tudo fez acreditar que existe uma entidade cultural única portuguesa; Que urge recuperar o “esplendor cultural” de outros tempos e preservar a memória histórica dos heróis da independência.

No nosso caso nunca como então os escritos de Camões foram levados tão a sério e tão instrumentalizados politicamente. Vários autores então afirmavam que um português é um ser à partida imbuído de características próprias da “portugalidade”. “Ser contemplativo”, “amante da poesia”, “saudade” ou propensão para o mar eram algumas das características apontadas por J. Silva Dias. Mas quantos portugueses se encaixam neste espartilho de interesses?

Também não existia um modo de vida português típico nos tempos da fundação henriquina mas muitos decorrentes da diversidade dos concelhos, unidos inicialmente apenas pela entidade politico-militar do reino. Também tomar os portugueses do século XVI como o “povo dos descobrimentos” ou “heróis do mar” é mais uma vez tomar uma escassa maioria pelo todo.

Seria apenas na viragem do para 1900 que as, quase abandonadas, colónias africanas viram o seu número de “metropolitanos” multiplicar-se, concretizando a agenda politica nacionalista melhor melhor do que no período dos “Descobrimentos”.

Hoje constatamos que no dia-a-dia que não há nada de primordial nem pré-destinado nas nossas “culturas”. Até que ponto o que fazemos no quotidiano tem qualquer tipo de origem “cultural” nacional e ímpar? Atrevo-me a responder que pouco ou muito pouco.

George Steiner, no seu recente ensaio “A ideia de Europa”[1], define precisamente Europa não por um modo de pensar próprio

As definições clássicas de cultura apontavam para o todo dos hábitos e capacidades do Homen em cada sociedade e era esse todo que propunham os antropólogos “descodificar”. Tarefa tão gigante pela sua complexidade que, os muito mais cépticos estudiosos da vagas mais recentes, têm encurtado tal campo à interpretação dos processos de formação de cultura.

A cultura é neste sentido reduzida ao modo de ver o mundo, mutável no tempo. Construído pelas relações sociais e especialmente pelas relações de poder formal ou informal que através de um determinado discurso nos fazem formar grupos de obediências a lideranças que veiculam esses modos de atribuir significados.

2. Sobre a Etnia

Se a cultura designa um modo de ver e atribuir significados ao mundo que nos rodeia, com a globalização é uma teia com cada vez mais interconexões transversais a mais fronteiras nacionais. Já o conceito de etnia, serve não para designar algum conteúdo mas antes para designar fronteiras reconhecíveis na fisionomia, língua, “sotaque” ou outros aspectos mais subtís entre o que passamos a reconhecer como “nós” e “outros”.

A própria palavra prejurativa “bárbaro” tem sua origem etimológica na Grécia antiga e servia para designar os que não falavam a sua língua e que pareciam aos gregos de então dizer apenas “bar bar”. A palavra “alemão” em russo é ainda hoje “nemtsy”, que significa algo como “povo que fala mas não diz nada”. No caso português o popular “de espanha nem bom vento nem bom casamento” ou “contra os teutões marchar, marchar” da versão original da letra de “A portuguesa” ilustram como boa parte do “nós” é sempre construída pela mera oposição aos que são diferentes nalgum aspecto.

Outra característica da “etnicidade”, se a reconhecermos, é o esquecimento e a frequente assimilação ou diluição a que está sujeita. Afinal o globo terrestre esteve sempre em ebulição migratória todos somos o actual estado das misturas resultantes desses movimentos de procura por uma melhor vida. Hoje, quer por características fisicas, apelidos ou dialectos conseguimos identificar a assimilação e a adesão desses movimentos mais recentes.

Recentemente uma equipa de reportagem de uma televisão nacional encontrou na Indonésia, por ocasião do primeiro aniversário do Tsunami, a “aldeia dos portugueses”. Composta por habitantes “tão indonésios como quaisquer outros” como dizia um deles. Os habitantes invulgarmente mediterrâneos na imagem que traspunham pela sua fisionomia, mantinham uma memória contada de geração em geração de um naufrágio de um navio português ali ocorrido há 500 anos. Outro exemplo, mais invisível, é o dos portugueses com apelidos com nomes de árvores. Todos eles são descendentes de cristãos-novos, isto é, judeus “convertidos” em vida nos tempos da pujança da inquisição católica. Ambos exemplos mostram como com o tempo e adesão às práticas do local de chegada se negam quaisquer caracteristicas “essenciais” dos indivíduos ou grupos humanos.

A etnia, o que quer que ela seja, por ser algo de tão abstracto, ficcional e acima de tudo pela sua perigosidade, acredito, não merece voltar a ter o conteúdo de “propriedade natural e essencial inscrito nas pessoas que compôem os grupos étnicos”, mas ser apenas usada em contextos exclusivamente analíticos pela grande relevância que assume na interacção social.


[1] Steiner, George, 2006, A Ideia de Europa, Lisboa, Gradiva